O novo Enem revoluciona o Ensino Médio?

Escrito por João Luís de Almeida Machado

30-Set-2009

A grande mídia propaga aos ventos que o Novo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), criado para substituir os vestibulares e que nos primeiros dias de outubro fará sua estréia, constitui uma revolução. Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém, nos diz sábio provérbio popular. Vamos com calma, é preciso cuidado com o andor que o santo é de barro, nos ensina outro dito comum entre a população.

Revoluções por decreto não existem. A própria compreensão do termo revolução, desgastado pelo tempo, é errônea, pois não se configura, com tais mudanças e reformas previstas com a adoção do Novo Enem, nem mesmo uma esperada virada de mesa na educação brasileira, quanto menos na sociedade, conforme preconizam os preceitos marxistas acerca de tal vocábulo.

É certo que a adoção deste novo modelo de avaliação dos saberes relativos ao Ensino Médio como elemento decisivo para o ingresso dos estudantes em universidades (públicas e particulares), com grande adesão já a partir deste ano, constitui inovação necessária, preconizada e esperada por muitos educadores, entre os quais me incluo.

Mas daí a pensar que automaticamente isso acarretará modificações estruturais nas escolas brasileiras, em especial nas redes públicas, é ir além do próprio sonho, saindo dos limites da sensatez e embarcando em autêntica utopia.

Superar a cultura estabelecida nas redes, de base conteudista e tradicionalista, exige muitas outras ações complementares, não apenas a adoção de exames de admissão às universidades com base em provas que exigem mais dos alunos. A forma de preparação desses alunos para esses exames e – em especial – para a vida demanda a revisão de todo um modo de pensar, agir e realizar em educação que tem décadas de existência no país.

O Novo Enem cria, por certo, demandas que não existiam. Obriga as escolas a repensar suas bases. Exige dos professores uma série de posturas que antes não lhes eram comuns, peculiares. Estipula a necessidade de leitura e atualização constante por parte dos estudantes (e, em contrapartida, pelos educadores com os quais estarão trabalhando). Propõe, através de suas questões, o desenvolvimento do raciocínio, da capacidade de se relacionar, da possibilidade de ir além da mera memorização de fórmulas e dados.

A interdisciplinaridade (ou ao menos a multidisciplinaridade) entra em cena. A necessidade de ir "além dos muros da escola" (título de uma excelente produção do cinema francês sobre educação, premiado em Cannes) com viagens, leituras, filmes, exposições, músicas, poesia, artes plásticas, navegação por sites com conteúdo inteligente e desafiador, entre outras ações, se torna premente e permanente.

É certo que tudo isso é grandioso se analisarmos a realidade e os problemas que envolvem o Ensino Médio público no país, sempre visto como "preparação para o vestibular". As redes privadas, cientes do fato, já se mexem e, como é possível ler em matérias publicadas na mídia, pretendem implementar linha de ação que busque preparar o seu aluno para esta nova demanda.

Mas ainda assim, tendo essa perspectiva, muitas delas erram no alvo porque assumem essa nova "atitude" de olho nos resultados do Enem, sem ir além de forma proposital, ou seja, sem perceber que a formação ampla, crítica, cidadã, ética, multidisciplinar pretendida é que é o principal objetivo. Continuam preparando mais para uma prova do que para a vida, os relacionamentos, o trabalho, a felicidade.

Ir além da concepção vigente e entender que os saberes não são dissociados é outro desafio. Reunir os conhecimentos em grupos como Ciências Humanas, Matemática e Ciências da Natureza, Códigos e Linguagens (entre os quais se incluem as artes e a educação física) é mudança importante, que traz qualidade à educação. Será uma tarefa das mais árduas. Pensem como vai ser para as redes públicas se até as redes privadas, já conscientes da necessidade de mudança e em movimento quanto a isto, estão tentando acertar e continuam a cometer alguns erros de percurso.

A revolução do Novo Enem só tem sentido e efeito real se as alterações não se limitarem à aplicação desse novo elemento de avaliação. É preciso preparar os professores, equipar as escolas (laboratórios de ciência, bibliotecas, salas de informática, quadras), reformular os materiais didáticos existentes, repensar e aplicar novos currículos nos cursos de licenciatura que já prevejam esta nova forma de pensar o Ensino Médio, expandir os limites da escola com a proposição de ações externas (ida a cinemas, museus, shows, exposições, mostras).

Entre a prova que será aplicada no início do próximo mês de outubro e uma revolução no ensino médio brasileiro há anos-luz de distância que nenhum aparato tecnológico já criado pela humanidade permite percorrer em tão curto espaço de tempo. Tal realização demanda muitos outros elementos propulsores que, se ainda parecem ficção, dependem apenas de muito trabalho, estudo, planejamento e confiança para se tornarem realidade.

João Luís de Almeida Machado é editor do Portal Planeta Educação (www.planetaeducacao.com.br), doutor em educação pela PUC-SP e autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

Gestão demo-tucana: perto do fim do semestre, alunos não tiveram nenhuma aula de matemática

Crise da educação

Gestão Demo-Tucano

Gestão Demo-Tucano

Unidade recém-aberta pela gestão Gilberto Kassab não tem professores de matemática. Os pais dos alunos pedem providências para que o ano letivo dos filhos não seja perdido.

Gilberto Yoshinaga e Gabriela Gasparin do Agora

Inaugurada neste ano pela gestão Gilberto Kassab (DEM), a Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Vila Santa Maria, localizada em Cidade Dutra (zona sul de SP), está prestes a encerrar o primeiro semestre letivo com falta de professores. Alguns alunos de 5ª, 6ª e 7ª séries não têm tido aulas de matemática, história, português, geografia, informática e leitura.

Professores estão de licença
Estudante carrega livros à toa
“Só tive aulas de matemática na primeira semana de aula. Depois disso, o professor entrou de licença e não apareceu nenhum substituto”, conta o estudante João Gabriel Silva Latuner Antunes, 12 anos, da 7ª série. “Não sei quando vou ter de repor essas aulas. Também fico preocupado com o que vai acontecer no ano que vem, porque neste ano ainda não aprendi nada”, acrescenta.

Também na 7ª série, mas em outra classe, um estudante de 13 anos tem sido ainda mais prejudicado. “Além de matemática, não tenho professores de informática e leitura”, diz ele. “Às vezes, essas aulas vagas são ocupadas por algum professor de outra matéria. Em outros casos, temos de ficar sem fazer nada dentro da sala de aula, porque não aparece nenhum professor substituto”, relata.

Outro estudante, de 11 anos, vive situação semelhante na 5ª série. Ele afirma que, em 2009, só teve algumas aulas de história e português, disciplinas que no momento estão sem professor. “Neste ano, ainda não tive nenhuma aula de matemática. Meu caderno está todo em branco e nunca usei o livro, que deixo em casa”, afirma.

A falta de professores também incomoda os pais. A técnica Rosinda Maria da Silva, 43 anos, mãe de João Gabriel, já procurou a diretoria da escola para pedir explicação, mas não obteve resposta convincente. “A diretora admitiu que faltam professores, mas disse que os pais é que têm de se unir e reivindicar uma atitude da Secretaria da Educação”, diz ela. “Não acho que isso seja responsabilidade dos pais, mas sim da prefeitura.

Declínio
Apesar de a escola ser nova, a falta de professores na Emef Vila Santa Maria ilustra a queda do rendimento dos alunos de 6ª e 8ª séries em matemática, dado revelado na última Prova São Paulo, cujos resultados foram divulgados em abril. Os alunos da escola nova, no entanto, ainda não passaram pelo exame.

O índice de alunos com nível satisfatório nesta disciplina caiu entre 2007 e 2008. Entre os alunos de 6ª série, o percentual de aprovação caiu de 47,2% para 41,2%. Já entre os alunos de 8ª série, a queda foi maior: de 60,3%, em 2007, para 47%, no ano seguinte. A avaliação é aplicada anualmente na rede municipal de ensino e avalia os alunos em português e em matemática.